Os princípios do Aikido em tempos
de construção da paz: reflexões contemporâneas
Hombu Dojo, em Tóquio, aberto em 1967; local da última demonstração do fundador do aikido, Morihei Ueshiba, em 1969 (ABAI, 2023a)
Foto do autor e da autora da Parte I. Registro feito após treino de 8/12/2021 no Dojo Meiyo/ABAI, em Salvador/BA.
Apoio:
Os princípios do Aikido em tempos de construção da paz: reflexões contemporâneas
(Parte I)
Carlos Alberto Silva Santos
6º dan (Aikido Sansuikai International)
Noemi Lemos França
4º Kyu (ABAI)
Índice
Parte 1 - Os princípios do Aikido para praticantes do século XXI
Capítulo 1 - O treino de Aikido para tempos de construção da paz
Capítulo 2 - A prática da simulação como forma de aprendizado
Capítulo 3 - A ética da prática do Aikido
Capítulo 4 - A autodefesa na prática do Aikido
Capítulo 5 - O clima de colaboração no Dojo ABAI/Meiyo
Capítulo 6 - O aprendizado do Aikido aplicado aos debates cotidianos
Apresentação
Em tempos de construção da paz, ainda é possível falar das vantagens da
prática do Aikido.
Nas simulações feitas nas aulas do Dojo[1]
da ABAI – Associação Baiana de Aikido e da Meiyo Escolas de Aikido Ltda. é
possível experimentar, em certo nível, o poder da autodefesa e da não lesão ao
adversário fictício.
É satisfatório saber que, em uma eventual circunstância de coação física
ou ameaça desta, é possível, teoricamente, nos desvencilharmos com possível sucesso
e sem consequências maiores para o agressor ou a agressora, porque essa circunstância
é compatível com os valores pessoais de respeito e responsabilidade.
Sobre o poder da autodefesa, esse sentimento é relevante para pessoas
comuns e sobretudo para pessoas de minorias sociais, como as mulheres, os
idosos ou qualquer outra pessoa com necessidade especial, física ou cognitiva.
Então, ter a consciência da possiblidade de autodefesa é tomar de volta
a energia da sua própria vida[2]
ou ter a atitude de decidir sobre o seu destino individual.
Já a não lesão ao adversário ou à adversária em simulações no Dojo é um princípio
que deve ter como objetivo o encerramento do conflito, sem reservas de vingança
futura.
Talvez, por isso haja uma percepção de clima de cooperação nas aulas do Dojo
da ABAI e da Meiyo: dependemos do colega ou da colega de treino para sentir
duas das grandes vantagens da prática do Aikido: o exercício da soberania
pessoal e a prática da responsabilidade e do respeito ao adversário.
Transpor essas vantagens para a vida real, em circunstâncias de
conflitos de ideias, de debates, é possível porque os sentimentos que
acompanham uma discussão racional podem nos arrebatar e permitir que vejamos o
nosso lado humano e frágil.
Assim, praticar o Aikido no século XXI é ter a oportunidade de
acreditarmos no respeito e na independência da pessoa humana.
Essas reflexões, porém, não decorrem de uma circunstância real de uso da
força física contra um adversário concreto. Nessas situações há peculiaridades
que exigem uma reflexão própria por aqueles e aquelas que precisam usar a força
física para se defender ou conter um adversário ou uma adversária.
Mesmo com essa ressalva, a prática das técnicas de Aikido no século XXI
são um excelente meio de interação social, condicionamento físico, convivência
social, observação às regras e à hierarquia, confiança mútua, auto soberania e
respeito e responsabilidade recíprocos.
Parte
1 - Os princípios do Aikido para praticantes do século XXI
Capítulo 1 - O treino de Aikido para tempos de construção da paz
Em movimentos cotidianos para o retorno e a manutenção da paz há
possibilidade de estarem envolvidos, além de debates em ambientes democráticos,
ações de autodefesa contra uma agressão injusta.
Não depender inteiramente de outra pessoa para exercer a chance de se
desvencilhar de injustas coação física ou ameaça pode ser decisivo para
mulheres, idosos, pessoas com necessidades especiais, e até mesmo para uma
pessoa comum.
O exercício dessa autodefesa contribuirá para o retorno e a manutenção
da paz na medida em que seja preservado o valor da não lesão ao adversário ou à
adversária.
Durante os treinos no Dojo da ABAI e da Meiyo, comumente as técnicas de
Aikido são ensinadas segundo o tamanho e peso dos praticantes e das praticantes;
e, do mesmo modo, condições peculiares definitivas e temporárias do praticante
ou da praticante são consideradas, a exemplo de uma lesão adquirida fora do Dojo,
no trabalho ou no esporte, por exemplo.
Na verdade, o tamanho e o peso dos praticantes devem ser sempre
alternados, ou seja, muda-se de Tori[3]
para lidar com as diferenças.
O poder da autodefesa, assim, é revelado por serem consideradas as circunstâncias
de situações reais como a surpresa de um ato violento e as limitações de
movimento por estar dentro de um carro.
Além disso, o mais importante é a postura mental de respeito e
responsabilidade do praticante ou da praticante de Aikido perante o adversário fictício
ou a adversária fictícia; portanto, visualizar esses valores também faz parte
dos treinos de Aikido.
O fato é que haveria uma perda de propósito se o praticante ou a
praticante de Aikido tivesse em mente, reservadamente, a intenção de aplicar
uma técnica cuja finalização implicasse em dor ou leão ao adversário ou a
adversária.
O respeito ao oponente ou à oponente, portanto, deve estar na mente do
praticante ou da praticante de Aikido, porque significa dissuadir o adversário ou
a adversária da agressão injusta, reconhecendo as razões irracionais dessa,
mesmo em uma simulação no Dojo.
Capítulo 2 - A prática da simulação como forma de aprendizado
Os treinos do Aikido no Dojo da ABAI e Meiyo são feitos por meio de
simulações de lutas, de atos de violência injusta.
Mesmo sendo gestos fictícios, é possível visualizar a sensação
desagradável de ser atingido por um ato de força física injusta e reagir adequadamente,
ou seja, de maneira a por fim a uma luta antes que ela se agrave.
O maior desafio talvez seja educar o instinto pessoal para, ao invés de fugir
ou revidar a agressão, nos defendermos e encerrarmos a luta sem consequências
mais greves ao agressor ou à agressora, e à vítima.
Simular movimentos corporais de autodefesa, esquiva, contenção e queda
seguida de recuperação, ao invés de contra-atacar com força física injuriosa,
provoca uma mudança de pensamento.
Essa mudança de pensamento pode ser usada em debates de ambiente
democrático, por exemplo, desde que haja disposição de ver esses debates como
“lutas” em que são vencedores aqueles ou aquelas, dos dois lados, que saem
ilesos e mantêm o respeito pelo oponente ou pela oponente com responsabilidade
pelas suas ações.
O aprendizado gerado pelas simulações de lutas no Dojo da ABAI e Meiyo
são um precioso legado dos treinos, possível de ser transportado para o
cotidiano por aqueles e aquelas que desejam um ambiente democrático como um
espaço de preservação da vida e da integridade física, mesmo diante de
divergências.
Capítulo 3 - A ética da prática do Aikido
Nos treinos de Aikido da ABAI e da Meiyo ouvimos repetidamente a ideia
de que o Aikido tem como diferencial não causar lesão ao adversário ou à adversária.
Por ser um esporte de contato e com treino de leve a intenso, alguma dor
da prática do esporte é comum após muitos treinos, mas essa é acompanhada do bem-estar
da atividade física e da convivência entre praticantes com respeito e
responsabilidade.
Todo o tempo, os Senseis da ABAI e da Meiyo nos orientam a cuidar do
colega e da colega de Dojo, a aproximar a simulação de uma luta real e quais as
posições não técnicas que causam lesão ao oponente ou à oponente.
Os ataques com chutes, bem como suas defesas, são mais aplicados aos
alunos(as) de graduação adiantada.
Então, usar ou não as posições não técnicas em uma situação real, fora
do Dojo, é uma escolha do Aikidoka ou da Aikidoca distante da ética do Aikido.
A origem de Aikido, uma arte marcial de pós-guerra, criada para não
lesionar, e sim para encerrar o combate antes que esse se desenvolva, corrobora
o princípio da não lesão, que se constitui na essência do Aikido.
Capítulo 4 - A autodefesa na prática do Aikido
O objetivo do Aikido enquanto arte marcial, seja em simulações em treino
no Dojo da ABAI e da Meiyo, seja em uma situação real, é preferencialmente o de
se defender e quase nunca o de atacar em uma luta.
Obviamente que, por questões de fluxo do treino, revezamos a posição
daquele ou daquela que aplica a técnica e daquele ou daquela que ataca. Os
ataques são, basicamente, com os braços e as mãos, pela frente ou por trás, em
alturas diferentes; e as defesas são, em essência, técnicas de dobrar e torcer
as articulações.
A ideia central do Aikido é se defender aproveitando a energia do
movimento do adversário ou da adversária, sem confrontá-lo ou confrontá-la,
esquivando-nos ou caindo para nos levantarmos imediatamente como uma preparação
para um novo ato de defesa.
Na Parte II deste livro, descreveremos as variadas formas de defesa no
Aikido, a partir da descrição das técnicas básicas por Senta Yamada e Alex
Macintosh.
Capítulo 5 - O clima de colaboração no Dojo
O ambiente no Dojo da ABAI da Meiyo é de colaboração e amizade. O ou a Aikidoca
que está em sintonia com os princípios do Aikido compreende que é preciso
ocupar a posição de ataque apenas por uma questão de fluxo do treino e não
porque seja ensinado o ataque, sobretudo com intenção de lesionar o adversário
ou a adversária.
Eventualmente, pela robustez e rapidez do treino, é possível que algum
gesto seja feito de mal jeito. Porém, quando isso acontece, suspendemos o
treino para checar se o colega ou a colega de Dojo está bem e pode seguir com
saúde e bem-estar da prática esportiva.
Esse clima de colaboração permite a percepção sensível de uma questão básica
no Aikido: o aproveitamento do impulso do movimento do adversário ou da
adversária para se esquivar do ataque, sem danos para si e para o outro ou a
outra.
Capítulo 6 - O aprendizado do Aikido aplicado aos debates cotidianos
O processo de convencimento ou dissuasão de alguém de uma ideia depende
de uma simbiose de argumentos capaz de parear pontos divergentes.
Esse modelo mental é relativamente parecido no Aikido, pois aquele ou
aquela que aplica a técnica precisa compreender a natureza do movimento do
adversário ou da adversária para aproveitar sua energia como impulso para se defender
e finalizar a luta sem lesionar a si e ao outro ou à outra.
Em certo grau, um debate em ambiente democrático pode ser assim, ou
seja, de maneira dialética, sem mero confronto de opiniões para convencimento
ou dissuasão, e sim para dar oportunidade de surgir uma solução mais eficaz.
Bibliografia
ABAI – Associação baiana de Aikido. Grande mestre fundador. 2023.
Disponível em:. Acesso em: dez.2023.
ABAI – Associação baiana de Aikido. Programa de exames. 2016.
Disponível em: https://www.aikidoba.com.br/sobre-o-aikido/programa-de-exames.
Acesso em: dez.2023a.
ABAI – Associação baiana de Aikido. Sobre o Aikido - Glossário.
Site, 2023. Disponível em: https://www.aikidoba.com.br/sobre-o-aikido/glossario.
Acesso em: dez.2023b.
FRANÇA, Noemi Lemos. Interdisciplinaridade no direito: ensaio sobre
as semelhanças entre a negociação por princípios de Havard e a arte marcial
aikido de Morihei Ueshiba. In: Direito, arte e literatura [Recurso
eletrônico on-line] organização CONPEDI. Coordenadores: Marcelo Campos Galuppo;
Paola Cantarini Guerra – Florianópolis: CONPEDI, 2021. Inclui bibliografia. ISBN:
978-65-5648-324-5. Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações.
Foto do autor e da autora. Registro
feito após treino de 8/12/2021 no Dojo Meiyo/ABAI, em Salvador/BA. Disponível
em Arquivo pessoal.
YAMADA, Senta, MACINTOSH, Alex. Os princípios e a prática do Aikido.
Tradução de Noemi Lemos França. Set.2023. Disponível em arquivo pessoal.
YAMADA, Senta, MACINTOSH, Alex. The principles & Pratice of Aikido
[sem data]. London: L W. Foulsham & Co Ltda.
Copyright Noemi Lemos França e Carlos Alberto Silva Santos
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou reproduzida – em qualquer meio
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Organização e
edição: Noemi Lemos França (http://lattes.cnpq.br/5199295111009969)
Preparação de
texto: Noemi Lemos França e Carlos Alberto Silva Santos (https://aikidoba.com.br/sobre-o-aikido/historico-dos-instrutores#carlos-sensei)
Revisão conforme
as regras do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo
nº 54, de 1995): Candida Lemos França Mariz
(http://lattes.cnpq.br/7187190598799817)
1ª edição, 2023
ISBN nº 000984.0074879/2023
"Aikido é a arte da reconciliação. O Homem [ou A Mulher] que deseja brigar perde sua ligação com o universo, e aquele [ou aquela] que tenta dominar as pessoas, termina dominado [ou dominada]. Nós estamos aqui estudando a arte de resolver os conflitos e não de iniciá-los."
Morihei Ueshiba Sensei (1883-1969), fundador do aikido
(ABAI, 2023)
"Depois da luta minuciosamente travada dentro de nós mesmos, acabamos por externar quem realmente somos."
Carlos Alberto Silva Santos
6º dan (Aikido Sansuikai International)
“Essa comparação entre negociação e Aikido possibilita a troca de experiências em um processo de ensino aprendizagem a fim de desenvolver nos sujeitos a habilidade de solucionar conflitos de forma pacífica, segundo inclusive o que pensa Weil e Tompakow (2012, p. 270).” (FRANÇA, 2021, p. 125)
Noemi Lemos França
4º Kyu (ABAI)
[1]“Local de caminho (prática)” (Glossário ABAI, 2023b).
[2]“Ki - Energia que permeia o universo.” (Glossário ABAI, 2023b).
[3] É aquele ou
aquela que aplica a técnica. O “Uke - O que recebe
a técnica, o atacante”. (Glossário ABAI, 2023).