quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Livro - Os princípios do Aikido em tempos de construção da paz: reflexões contemporâneas



Os princípios do Aikido em tempos de construção da paz: reflexões contemporâneas


Edição própria


Hombu Dojo, em Tóquio, aberto em 1967; local da última demonstração do fundador do aikido, Morihei Ueshiba, em 1969 (ABAI, 2023a)

 

Foto do autor e da autora da Parte I. Registro feito após treino de 8/12/2021 no Dojo Meiyo/ABAI, em Salvador/BA.

 Apoio:



Os princípios do Aikido em tempos de construção da paz: reflexões contemporâneas

(Parte I)


Carlos Alberto Silva Santos

6º dan (Aikido Sansuikai International)

 

Noemi Lemos França

4º Kyu (ABAI)

 

 Índice

Parte 1 - Os princípios do Aikido para praticantes do século XXI

 Capítulo 1 - O treino de Aikido para tempos de construção da paz

Capítulo 2 - A prática da simulação como forma de aprendizado

Capítulo 3 - A ética da prática do Aikido

Capítulo 4 - A autodefesa na prática do Aikido

Capítulo 5 - O clima de colaboração no Dojo ABAI/Meiyo

Capítulo 6 - O aprendizado do Aikido aplicado aos debates cotidianos

 

 Apresentação

Em tempos de construção da paz, ainda é possível falar das vantagens da prática do Aikido.

Nas simulações feitas nas aulas do Dojo[1] da ABAI – Associação Baiana de Aikido e da Meiyo Escolas de Aikido Ltda. é possível experimentar, em certo nível, o poder da autodefesa e da não lesão ao adversário fictício.

É satisfatório saber que, em uma eventual circunstância de coação física ou ameaça desta, é possível, teoricamente, nos desvencilharmos com possível sucesso e sem consequências maiores para o agressor ou a agressora, porque essa circunstância é compatível com os valores pessoais de respeito e responsabilidade.

Sobre o poder da autodefesa, esse sentimento é relevante para pessoas comuns e sobretudo para pessoas de minorias sociais, como as mulheres, os idosos ou qualquer outra pessoa com necessidade especial, física ou cognitiva.

Então, ter a consciência da possiblidade de autodefesa é tomar de volta a energia da sua própria vida[2] ou ter a atitude de decidir sobre o seu destino individual.

Já a não lesão ao adversário ou à adversária em simulações no Dojo é um princípio que deve ter como objetivo o encerramento do conflito, sem reservas de vingança futura.

Talvez, por isso haja uma percepção de clima de cooperação nas aulas do Dojo da ABAI e da Meiyo: dependemos do colega ou da colega de treino para sentir duas das grandes vantagens da prática do Aikido: o exercício da soberania pessoal e a prática da responsabilidade e do respeito ao adversário.

Transpor essas vantagens para a vida real, em circunstâncias de conflitos de ideias, de debates, é possível porque os sentimentos que acompanham uma discussão racional podem nos arrebatar e permitir que vejamos o nosso lado humano e frágil.

Assim, praticar o Aikido no século XXI é ter a oportunidade de acreditarmos no respeito e na independência da pessoa humana.

Essas reflexões, porém, não decorrem de uma circunstância real de uso da força física contra um adversário concreto. Nessas situações há peculiaridades que exigem uma reflexão própria por aqueles e aquelas que precisam usar a força física para se defender ou conter um adversário ou uma adversária.

Mesmo com essa ressalva, a prática das técnicas de Aikido no século XXI são um excelente meio de interação social, condicionamento físico, convivência social, observação às regras e à hierarquia, confiança mútua, auto soberania e respeito e responsabilidade recíprocos.

  

Parte 1 - Os princípios do Aikido para praticantes do século XXI

 Capítulo 1 - O treino de Aikido para tempos de construção da paz

Em movimentos cotidianos para o retorno e a manutenção da paz há possibilidade de estarem envolvidos, além de debates em ambientes democráticos, ações de autodefesa contra uma agressão injusta.

Não depender inteiramente de outra pessoa para exercer a chance de se desvencilhar de injustas coação física ou ameaça pode ser decisivo para mulheres, idosos, pessoas com necessidades especiais, e até mesmo para uma pessoa comum.

O exercício dessa autodefesa contribuirá para o retorno e a manutenção da paz na medida em que seja preservado o valor da não lesão ao adversário ou à adversária.

Durante os treinos no Dojo da ABAI e da Meiyo, comumente as técnicas de Aikido são ensinadas segundo o tamanho e peso dos praticantes e das praticantes; e, do mesmo modo, condições peculiares definitivas e temporárias do praticante ou da praticante são consideradas, a exemplo de uma lesão adquirida fora do Dojo, no trabalho ou no esporte, por exemplo.

Na verdade, o tamanho e o peso dos praticantes devem ser sempre alternados, ou seja, muda-se de Tori[3] para lidar com as diferenças.

O poder da autodefesa, assim, é revelado por serem consideradas as circunstâncias de situações reais como a surpresa de um ato violento e as limitações de movimento por estar dentro de um carro.

Além disso, o mais importante é a postura mental de respeito e responsabilidade do praticante ou da praticante de Aikido perante o adversário fictício ou a adversária fictícia; portanto, visualizar esses valores também faz parte dos treinos de Aikido.

O fato é que haveria uma perda de propósito se o praticante ou a praticante de Aikido tivesse em mente, reservadamente, a intenção de aplicar uma técnica cuja finalização implicasse em dor ou leão ao adversário ou a adversária.

O respeito ao oponente ou à oponente, portanto, deve estar na mente do praticante ou da praticante de Aikido, porque significa dissuadir o adversário ou a adversária da agressão injusta, reconhecendo as razões irracionais dessa, mesmo em uma simulação no Dojo.

 

Capítulo 2 - A prática da simulação como forma de aprendizado

Os treinos do Aikido no Dojo da ABAI e Meiyo são feitos por meio de simulações de lutas, de atos de violência injusta.

Mesmo sendo gestos fictícios, é possível visualizar a sensação desagradável de ser atingido por um ato de força física injusta e reagir adequadamente, ou seja, de maneira a por fim a uma luta antes que ela se agrave.

O maior desafio talvez seja educar o instinto pessoal para, ao invés de fugir ou revidar a agressão, nos defendermos e encerrarmos a luta sem consequências mais greves ao agressor ou à agressora, e à vítima.

Simular movimentos corporais de autodefesa, esquiva, contenção e queda seguida de recuperação, ao invés de contra-atacar com força física injuriosa, provoca uma mudança de pensamento.

Essa mudança de pensamento pode ser usada em debates de ambiente democrático, por exemplo, desde que haja disposição de ver esses debates como “lutas” em que são vencedores aqueles ou aquelas, dos dois lados, que saem ilesos e mantêm o respeito pelo oponente ou pela oponente com responsabilidade pelas suas ações.

O aprendizado gerado pelas simulações de lutas no Dojo da ABAI e Meiyo são um precioso legado dos treinos, possível de ser transportado para o cotidiano por aqueles e aquelas que desejam um ambiente democrático como um espaço de preservação da vida e da integridade física, mesmo diante de divergências.

 

Capítulo 3 - A ética da prática do Aikido

Nos treinos de Aikido da ABAI e da Meiyo ouvimos repetidamente a ideia de que o Aikido tem como diferencial não causar lesão ao adversário ou à adversária.

Por ser um esporte de contato e com treino de leve a intenso, alguma dor da prática do esporte é comum após muitos treinos, mas essa é acompanhada do bem-estar da atividade física e da convivência entre praticantes com respeito e responsabilidade.

Todo o tempo, os Senseis da ABAI e da Meiyo nos orientam a cuidar do colega e da colega de Dojo, a aproximar a simulação de uma luta real e quais as posições não técnicas que causam lesão ao oponente ou à oponente.

Os ataques com chutes, bem como suas defesas, são mais aplicados aos alunos(as) de graduação adiantada.

Então, usar ou não as posições não técnicas em uma situação real, fora do Dojo, é uma escolha do Aikidoka ou da Aikidoca distante da ética do Aikido.

A origem de Aikido, uma arte marcial de pós-guerra, criada para não lesionar, e sim para encerrar o combate antes que esse se desenvolva, corrobora o princípio da não lesão, que se constitui na essência do Aikido.

 

Capítulo 4 - A autodefesa na prática do Aikido

O objetivo do Aikido enquanto arte marcial, seja em simulações em treino no Dojo da ABAI e da Meiyo, seja em uma situação real, é preferencialmente o de se defender e quase nunca o de atacar em uma luta.

Obviamente que, por questões de fluxo do treino, revezamos a posição daquele ou daquela que aplica a técnica e daquele ou daquela que ataca. Os ataques são, basicamente, com os braços e as mãos, pela frente ou por trás, em alturas diferentes; e as defesas são, em essência, técnicas de dobrar e torcer as articulações.

A ideia central do Aikido é se defender aproveitando a energia do movimento do adversário ou da adversária, sem confrontá-lo ou confrontá-la, esquivando-nos ou caindo para nos levantarmos imediatamente como uma preparação para um novo ato de defesa.

Na Parte II deste livro, descreveremos as variadas formas de defesa no Aikido, a partir da descrição das técnicas básicas por Senta Yamada e Alex Macintosh.

 

Capítulo 5 - O clima de colaboração no Dojo

O ambiente no Dojo da ABAI da Meiyo é de colaboração e amizade. O ou a Aikidoca que está em sintonia com os princípios do Aikido compreende que é preciso ocupar a posição de ataque apenas por uma questão de fluxo do treino e não porque seja ensinado o ataque, sobretudo com intenção de lesionar o adversário ou a adversária.

Eventualmente, pela robustez e rapidez do treino, é possível que algum gesto seja feito de mal jeito. Porém, quando isso acontece, suspendemos o treino para checar se o colega ou a colega de Dojo está bem e pode seguir com saúde e bem-estar da prática esportiva.

Esse clima de colaboração permite a percepção sensível de uma questão básica no Aikido: o aproveitamento do impulso do movimento do adversário ou da adversária para se esquivar do ataque, sem danos para si e para o outro ou a outra.

 

Capítulo 6 - O aprendizado do Aikido aplicado aos debates cotidianos

O processo de convencimento ou dissuasão de alguém de uma ideia depende de uma simbiose de argumentos capaz de parear pontos divergentes.

Esse modelo mental é relativamente parecido no Aikido, pois aquele ou aquela que aplica a técnica precisa compreender a natureza do movimento do adversário ou da adversária para aproveitar sua energia como impulso para se defender e finalizar a luta sem lesionar a si e ao outro ou à outra.

Em certo grau, um debate em ambiente democrático pode ser assim, ou seja, de maneira dialética, sem mero confronto de opiniões para convencimento ou dissuasão, e sim para dar oportunidade de surgir uma solução mais eficaz.

 

Bibliografia

ABAI – Associação baiana de Aikido. Grande mestre fundador. 2023. Disponível em:. Acesso em: dez.2023.

ABAI – Associação baiana de Aikido. Programa de exames. 2016. Disponível em: https://www.aikidoba.com.br/sobre-o-aikido/programa-de-exames. Acesso em: dez.2023a.

ABAI – Associação baiana de Aikido. Sobre o Aikido - Glossário. Site, 2023. Disponível em: https://www.aikidoba.com.br/sobre-o-aikido/glossario. Acesso em: dez.2023b.

FRANÇA, Noemi Lemos. Interdisciplinaridade no direito: ensaio sobre as semelhanças entre a negociação por princípios de Havard e a arte marcial aikido de Morihei Ueshiba. In: Direito, arte e literatura [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI. Coordenadores: Marcelo Campos Galuppo; Paola Cantarini Guerra – Florianópolis: CONPEDI, 2021. Inclui bibliografia. ISBN: 978-65-5648-324-5. Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações.

Foto do autor e da autora. Registro feito após treino de 8/12/2021 no Dojo Meiyo/ABAI, em Salvador/BA. Disponível em Arquivo pessoal.

YAMADA, Senta, MACINTOSH, Alex. Os princípios e a prática do Aikido. Tradução de Noemi Lemos França. Set.2023. Disponível em arquivo pessoal.

YAMADA, Senta, MACINTOSH, Alex. The principles & Pratice of Aikido [sem data]. London: L W. Foulsham & Co Ltda.

 Copyright Noemi Lemos França e Carlos Alberto Silva Santos

 

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou reproduzida – em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia, etc. – nem apropriada ou estocada sem sistema de banco de dados, sem a expressa autorização da autora.

 

Organização e edição: Noemi Lemos França (http://lattes.cnpq.br/5199295111009969)

 

Preparação de texto: Noemi Lemos França e Carlos Alberto Silva Santos (https://aikidoba.com.br/sobre-o-aikido/historico-dos-instrutores#carlos-sensei)

 

Revisão conforme as regras do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995): Candida Lemos França Mariz (http://lattes.cnpq.br/7187190598799817)

 1ª edição, 2023

 ISBN nº 000984.0074879/2023

 

 "Aikido é a arte da reconciliação. O Homem [ou A Mulher] que deseja brigar perde sua ligação com o universo, e aquele [ou aquela] que tenta dominar as pessoas, termina dominado [ou dominada]. Nós estamos aqui estudando a arte de resolver os conflitos e não de iniciá-los."

 

Morihei Ueshiba Sensei (1883-1969), fundador do aikido

(ABAI, 2023)


"Depois da luta minuciosamente travada dentro de nós mesmos, acabamos por externar quem realmente somos."

Carlos Alberto Silva Santos

6º dan (Aikido Sansuikai International)


 “Essa comparação entre negociação e Aikido possibilita a troca de experiências em um processo de ensino aprendizagem a fim de desenvolver nos sujeitos a habilidade de solucionar conflitos de forma pacífica, segundo inclusive o que pensa Weil e Tompakow (2012, p. 270).” (FRANÇA, 2021, p. 125)

Noemi Lemos França

4º Kyu (ABAI)

 



[1]“Local de caminho (prática)” (Glossário ABAI, 2023b).

[2]“Ki - Energia que permeia o universo.” (Glossário ABAI, 2023b).

[3] É aquele ou aquela que aplica a técnica. O “Uke - O que recebe a técnica, o atacante”. (Glossário ABAI, 2023).